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Ode ao Vento, 2020, Tecido branco, cordão de lã, velcro e mastro de madeira, 500 x 120 x 15 cm

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Ode ao vento I, 2021

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Ode ao Vento II, 2021

Vento em pano

“quantas coisas terríveis o vento-das-nuvens havia de desmanchar” 

João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas


Há sempre certas distâncias (tão curtas quanto profundas) entre a idealização de um novo trabalho, o seu processo de pesquisa conceitual, os seus procedimentos de materialização, e o resultado final. “Ode ao Vento” é um trabalho sobre uma força implacável da natureza. É sobre trabalhar junto com o sopro de ar, entendendo-o como uma espécie de co-autor, incorporado para potencializar, operar a favor, e não como obstáculo ou empecilho. Este é um trabalho sobre desenhos e linhas (e uma linha são muito pontos, infinitos). Este é um trabalho sobre o tempo, uma vez que ele acontece na imprevisibilidade das intempéries, na espontaneidade da matéria, no descontrole dos acontecimentos. Este também é um trabalho sobre fronteiras: formas geográficas de organização política, social e econômica da humanidade que mediam e controlam os deslocamentos, instigam e acirram conflitos, delineiam e conformam identidades; mas, igualmente, que são construções de paisagens – acompanhando rios e cadeias montanhosas, beiras de oceanos e matas.

O ensejo para o desenvolvimento desta obra de Mano Penalva foi o convite para produzir uma intervenção em uma praia do Pacífico, na costa mexicana. A elaboração do projeto partiu, inicialmente, de perguntas e assuntos que aquele lugar suscita e em consonância com uma pesquisa contínua e mais ampla que o artista já conduz. De um lado, a noção de América Latina em contraste com a separação entre norte e sul global – conflito entre fronteiras, uma geográfica e outra política, estudado sob perspectivas pós-coloniais –, reacende questionamentos sobre patriotismo e identificação regional, em referência específica ao Brasil, e ampla com o resto do continente, para além de questões identitárias. De outro, emergem reflexões acerca do significado de ocupar um espaço em um país com tantas camadas de conflito e tensão, especialmente no que diz respeito à divisa com os Estados Unidos.

Assim surgiu “Ode ao Vento I”, uma bandeira – elemento de imensa carga simbólica para as ideias de território, poder, nacionalismo e pertencimento (tanto quanto separação e xenofobia...) – que segue as medidas-padrão oficiais de 112 x 160 cm, instalada em um mastro de 5 metros de altura, perto do mar. Feita em tecido branco, ela contém todas as fronteiras internas da América Latina (incluindo as dentro de ilhas, mas excluídas as litorâneas). O artista transformou o desenho dessas divisas em gráficos cordões pretos de lã, espalhando-os sobre o pano, sem respeitar configurações geográficas reais – em uma aproximação fictícia de limites que nem sempre são fisicamente distantes, mas demarcam vivências absolutamente distintas. Mais do que uma abstração ou uma dilatação desses contornos marginais, é um derramar de mapas sobre um plano vazio, uma tábula-rasa, fabulando um novo território. Fixadas por meio de velcro, as listras escuras parecem flutuar, circundadas de todos os lados por esse fundo claro, como linhas-ilhas, um grande arquipélago ou constelação. 

Com o tempo, e a ação fortuita do vento, as tiras vão se soltar, e a bandeira vai perder, pouco a pouco, os fios demarcados. A cada descolamento, uma nova composição pictórica do estandarte se impõe, ancorada em sua versão anterior. E a cada nova versão, a bandeira passa a nos dizer outras coisas, oscilando no meio do caminho entre a alvura total e as formas originais. Se, nas histórias das guerras e dos conflitos por terra, uma bandeira ganhava listras ou estrelas à medida que territórios eram conquistados, em “Ode ao Vento”, os elementos compositivos vão apenas desvanecendo, como se essas riscas se apagassem – como se esses estados e províncias metafóricas se dissolvessem no branco.

Um desdobramento deste primeiro trabalho é “Ode ao Vento II”, feita com os mesmos materiais, mesmos recursos e mesmos formatos. Mas, a segunda flâmula contém apenas um único traçado que equivale à divisa entre o México – país que ajuda a delimitar o que chamamos de América Latina, e onde o trabalho se instala –, e os Estados Unidos – país que politicamente representa o norte global. Esta fronteira é a única que não integra a versão I da obra, marcando a importância do limite nas articulações conceituais do projeto: aqui, a latinidade não figura só como identidade, mas como pano de fundo de reelaborações que transformam as bandeiras e bordas e os nomes e atribuições que damos a elas. A longa faixa preta poderia operar uma divisão no plano branco, mas não o faz: também flutua sem tangenciar nenhuma das quatro margens do campo, como se estivesse boiando à deriva no mar, ou como se configurasse uma grande topografia interrompida, igualmente subordinada ao descolamento em virtude das intempéries.

É impossível prever se, algum dia, essas bandeiras chegarão a um estado completamente inabitado, despovoado. Os fios que ao acaso se perderem irão pairar e revoar para outros lugares, podendo se encontrar de novo para tramar novas paisagens, fora do recorte de tempo-espaço específico que é o retângulo de tecido vazio – torná-las brancas, talvez, seja criar um ensejo para a construção de algo novo, fora do controle, onde tudo é possível, inclusive o futuro. Mas, elas nunca perderão sua natureza, continuarão sendo bandeiras; e, as fronteiras, continuarão sendo fronteiras, mesmo que suas riscas sucumbam ao vento, mesmo que suas linhas sejam só imaginárias.

Julia Lima, março de 2020

 Julia Lima é curadora e pesquisadora. Graduada em “Arte: História, Crítica e Curadoria” pela PUC-SP, integrou o Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake por três anos. Foi júri do Prêmio EDP 2016, e coordenou a 2ª edição do programa de residência latino-americana do Adelina Instituto, em 2019. Fez a curadoria das mostras coletivas “Eu queria ser lida pelas pedras”, “Formas de Voltar para Casa” e “Ninguém vai tombar nossa bandeira”; e de diversas individuais, incluindo as de Kitty Paranaguá, Felippe Moraes, Élle de Bernardini e Bruno Novaes. Atualmente, coordena a área institucional da Simões de Assis Galeria, conduz projetos curatoriais e a pesquisa "Elas Estão Aqui", dá cursos de história da arte, colabora com veículos especializados, e realiza acompanhamento de artistas.

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Sailing winds

“How many terrible things could the wind-from-the-clouds dissolve”

João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas


There’s always some distance (as short as they are deep) between the idealization of a new work, its conceptual research process, its materialization procedures, and the final result. “Ode to the Wind” is a project about a relentless force of nature. It is about working together with the breeze, not as an obstacle or a hindrance, but as a kind of co-author, incorporating its potentials. This is a work about drawings and lines (lines that are, actually, infinite points). This is a work about time, as it resides in the unpredictability of the elements, in the spontaneity of matter, in the lack of control. This is also a work about borders: geographic parameters for political, social and economic human organization; they mediate and control displacements, instigate and escalate conflict, delineate and conform identities, as well as being landscapes – following rivers and mountain ranges, seasides and woods.

Mano Penalva’s new piece emerged as a response to an invitation to create an intervention for a beach in the Pacific Mexican coast. The project started, initially, with the questions and issues that the installation context raised, in consonance with the artist’s broader ongoing investigations. On one hand, the concept of Latin America in contrast with the notions of global North-South divide – a conflict between geographic and geo-political borders, developed under post-colonial studies – rekindled questions about patriotism and regional identity, with specific connection to Brazil, and more comprehensively to the rest of the continent, beyond identitarian movements. On the other hand, reflections surfaced around the meaning of intervening in a space located in a country with so many layers of conflict and tension, especially involving the frontier with the United States. 

Thus, Penalva conceive “Ode to the Wind I”, a flag – an element of considerable symbolic weight in the ideas of territory, power, nationalism, and belonging (as well as separation and xenophobia…) – measuring the standard 112 cm tall by 116cm wide, attached to a 5 meter tall pole, near the sea. Produced in white cloth, it contains the internal borders between all Latin American countries (even within islands, but excluding the coastal ones). The artist transformed the outline of these boundaries in graphic black wool strings, spreading them on the fabric. By not following the real geographic layout, they are fictitiously approximated or, even though they may not physically distant, they demarcate absolutely different experiences. More than an abstraction or an expansion of these perimeters, it is like spilling maps on an empty plane, a clean slate, fabling new territories. Attached to the flag by velcro, the dark stripes seem to float, surrounded on all sides by the bright background, as if they were island-lines, in a great archipelago or constellation.

With time, and the fortuitous action of the wind, the strips will break loose and, little by little, the flag will become bare. With every detachment, a new pictorial composition emerges, still anchored in its previous version. And with every new version, the flag meaning is transformed, in between total whiteness and the original forms. If, in ancient wars and conflicts for land, a flag gained new stripes or stars to symbolize conquered territories, in “Ode to the Wind”, the compositional elements fade away, as if these lines were erased – as if the metaphorical countries and provinces dissolved into the clear fabric.

A secondary outcome of this project is “Ode to the Wind II”, made with the same materials, resources, formats and procedures. However, this second flag contains just one trace, representing the border between Mexico – country that helps delimit what we call Latin America, and where the work is installed – and the United States – a country that, politically, represents the global North. This frontier is the only one not present in the first version of the work, marking its importance in the project’s conceptual features: here, this latinidad isn’t depicted merely as an identity, but as the backdrop for re-elaborations that change flags and borders and the names and attributions we bestow them. The long black thread could fully sever the white plane, but it doesn’t; it floats around without touching any of the margins, as if it were adrift at sea, or a large interrupted topography, equally subordinated to the weather. 

It is impossible to predict whether, some day, these flags will become completely inhabited, deserted. The strings that haphazardly break loose will hover and soar away, maybe meeting again in some other place to weave new landscapes, apart from the specific time-space condition that is the empty fabric rectangle – to make them blank again is to, perhaps, create the opportunity for building something new, out of control, where anything is possible, including the future. Nonetheless, they will never forfeit their nature, they will keep on being flags; and, the frontiers, remain being frontiers, even if their traces succumb to the wind, even if their lines are just imaginary.

Julia Lima, March, 2021


Julia Lima is a curator and researcher. She holds a degree in "Art: History, Criticism and Curatorship" from PUC-SP, and was a part of Instituto Tomie Ohtake's Núcleo de Pesquisa e Curadoria for three years. She was on the jury for the 2016 Prêmio EDP, and coordinated the 2nd edition of the Adelina Institute Latin-American residency program in 2019. She curated the collective shows "Eu queria ser lida pelas pedras”, “Formas de Voltar para Casa” and “Ninguém vai tombar nossa bandeira”; as well as several solo exhibitions, including the ones of Kitty Paranaguá, Felippe Moraes, Élle de Bernardini and Bruno Novaes. She currently coordinates the institutional area of Simões de Assis Gallery, conducts curatorial projects and the initiative "Elas Estão Aqui", teaches art history courses, mentors artists and collaborates with art publications.

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