Um rascunho de luzes;
Um quem qualquer, de um corpo qualquer se move.
Esgotado. Pura carne.
Força viva de outros.
Uma sujeira lodosa prender-se a parede.
O movente aqui não aparece como matéria simbólica, muito menos representativa. Mas como força. Força viva. São traços de singularidade como preferia chamar Guatarri. A voz da vizinha antes estridente, agora plasma-se em uma nova sinfonia de vida. Emerge desse novo estado um torpor que catapulta sua matéria para uma qualidade de lugar onde todas as dimensões podem co-existir. Incorpora-se uma perspectiva. Armazena-se possibilidades que não se fundem ao sujeito. Acoplam-se em estrangeiros o tornando um múltiplo. Tornam-se possíveis! Não no equilíbrio, mas na tênue probabilidade da diferença.
Salivas. Sulcos. Falésias. Sinto o corpo escorrer. Fio. Córrego. Pedaço de fio. O fio da navalha faz o fio de sangue.
Em cada navalha há sempre um corpo inteiro.
Nada por ele passa mais despercebido. O azul cintila.
Tudo parece tão colado em mim que arrancar significa perder um pedaço de pele para se agarrar no outro... Há feridas, mas é de outros que um corpo-palafita se sustenta, na sua pura potência e efeito de criação-diferenciação.
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Penso que no trabalho de Mano Penalva essa qualidade de pele e movimento se atenuam. O corpo do artista parece o tempo inteiro negociar com os corpos-palafita por onde passa. Há nesse empenho um constante exercício em expor-se a essas forças do fora. Nesse caso, muito pouco interessa uma perspectiva etnográfica da caminhada, muito menos o troar afoito de um bandeirante que edificaria apenas linguagens, formas e representações. Nesse aspecto me parece oportuno problematizar um tipo exercício conquistado pelo árduo labor em driblar os ditames de um cotidiano centrado do “eu” para catapultar-se a novas dimensões do próprio corpo. Um corpo plasmado com a paisagem. Que enxerga-se como parte integrante de meio e permite-se ao admirável cruzamento que só a improbabilidade dos acontecimentos é capaz de oferecer. Há nesse modo de caminhada apenas uma obrigação: a de entender a vida, ou a arte, como o próprio gesto escultórico do fazer.
Tarcisio Almeida
(este texto é um fragmento do texto A casa-matilha e o corpo-palafita que será publicado na íntegra como parte das obras do artistas a partir da interlocução com o pesquisador Tarcisio Almeida)