Mano Penalva, Manopenalva, Contemporary Arte, Arte Contemporânea, Central Galeria, Central Gallery, Balneário, 2016, São Paulo, Bernardo Mosqueira, Ding Musa, Alpendre, Tudo Passa

Tudo Passa, 2016, Miçangas de madeira, ripa de madeira e fitilho, 280 x 150 x 120 cm

Mano Penalva, Manopenalva, Contemporary Arte, Arte Contemporânea, Central Galeria, Central Gallery, Balneário, 2016, São Paulo, Bernardo Mosqueira, Ding Musa
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Mano Penalva, Manopenalva, Contemporary Arte, Arte Contemporânea, Central Galeria, Central Gallery, Balneário, 2016, São Paulo, Bernardo Mosqueira, Ding Musa, A benção

A benção, 2016, Cadeira, palhinha e palha da costa, 100 x 150 x 60 cm

 TUDO PASSA

(ao meu amor)

Communis causa // Segundo o artista Mano Penalva (Salvador, BA – 1987), na exposição “Balneário”, sua primeira individual na Central Galeria, estão reunidos trabalhos desenvolvidos “por meio da apropriação de coisas comuns”. Enquanto a palavra “coisa” vem, de forma muito interessante, do latim causa, “razão de, motivo de”, a palavra “comum” vem do latim communis, “compartilhado por muitos”. Com a intenção de refletir sobre a presente produção desse artista, é proveitoso investigar quem seriam os “muitos” e de que forma “compartilham” da matéria-causa constituinte de seus trabalhos. 

Coloide cachaça // Na presente exposição, o que une todas as obras é o fato de se relacionarem, ao mesmo tempo, com a ideia de “produto nacional” e de “movimento”. Podemos, a fim de análise, dividir esses trabalhos em 3 conjuntos: um deles formado pelos trabalhos da série Origem, o outro formado por quatro grandes instalações e, por fim, isoladamente, um vídeo.

Janela com vista para o porto // O primeiro grupo é composto por obras construídas a partir de materiais para embalagem e transporte de produtos para a exportação, como sacolas, redes e tecidos plásticos, sacos de juta, cordas, elásticos e ganchos. 

É coisa nossa // O segundo é formado por instalações baseadas em objetos e materiais do imaginário e do cotidiano do homem brasileiro, como cadeiras de balanço, escovas para lavar roupa, pés-de-camelô, cortinas de bolinhas de madeira, palha, imagens de coqueiros, etc.

Ausente nas bandeiras // O material de embalagem que compõe os quadros da série Origem não guardam mais nenhum insumo, mas carregam a capacidade de nos lembrar que um dia participaram do movimento de uma relação de permuta. O “produto nacional”, nesse caso, é vestígio do comércio de exportação.

Tecido de grilhão // Globalização é o nome do processo definido pelo aumento exponencial das relações internacionais em escala planetária possibilitado pela facilitação tecnológica das dinâmicas de troca de produtos e ideias. A Globalização é um fenômeno derivado da expansão do Capitalismo e, portanto, não pode ser dissociado da disseminação do Patriarcado, do Colonialismo e do sofrimento que esses carregam. A Globalização acontece de forma diferente em espaços de Sul e de Norte. 

Boa // Sabemos que existe o Sul. Sabemos bem como ir ao Sul. Precisamos aprender a partir do Sul e com o Sul. 

Sinto sua falta? // Além da significativa ausência dos insumos nas embalagens da série Origem, há outra falta retumbante. O título da presente exposição se origina no nome “Balneário Nacional” de um antigo botequim ainda em funcionamento na Praia José Bonifácio, na Ilha de Paquetá, localizada no fundo da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. O título “Balneário” foi escolhido pelo fato do uso dessa expressão poder se referir tanto a um comportamento frívolo em uma divertida cidade junto ao mar quanto ao caráter de transitoriedade, impermanência e passagem dessas cidades. Porém, talvez tão importante quanto a palavra que restou no título seja o termo cuja omissão agora ilumina o espaço expositivo da Central Galeria.

Para semear fora do sulco // O nome da praia paquetaense, dedicado ao “Patriarca da Independência”, talvez possa ser ironicamente interessante para as discussões dessa exposição. José Bonifácio nasceu em Santos em 1763, estudou direito em Coimbra, pesquisou a pesca internacional de baleias, morava em Paris durante a fase inicial da Revolução Francesa, tornou-se um estudioso mundialmente importante da mineralogia, viajou por toda a Europa descobrindo 12 novos minérios (incluindo o elemento químico lítio), casou-se com uma irlandesa, lutou contra as tropas napoleônicas, voltou ao Brasil e foi nomeado por Dom Pedro I como Ministro de Reino e de Negócios Estrangeiros. Foi figura central nas articulações para a Independência do Brasil e, após desavenças com o Imperador, exilou-se no Sul da França. Inocentado, foi chamado de volta e morreu cumprindo prisão domiciliar na Ilha de Paquetá. Talvez, no Brasil durante aquela virada do século XVIII para o XIX, poucos pudessem entender melhor a dinâmica de comércio internacional e das relações de troca de ideias e produtos entre nações quanto o “patriarca” José Bonifácio.

Devaneamos, pois precisamos // No princípio era o Verbo, o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Antes de tudo, houve Exu, há Exu, que é o próprio movimento, a transformação, o desejo, as possibilidades, a linguagem, o tal Verbo que é Deus. Daquela talvez primeira explosão, surgiu toda a existência: da mesma primeira poeira de estrela, desde então em constante mutação. Pouca coisa é mais importante e esclarecedora do que isso. Por que motivo reproduzir uma forma de pensar que se afasta da magia comum a tudo?

A origem do totalitombamento (spoiler: as respostas são “não”, “não” e “sim, justamente”.) // Será que devemos continuar tentando reproduzir a forma de encarar o mundo a partir da prosa e do cálculo? Surgiu, viralizou, criou caravelas, encontros fortuitos, bombas atômicas, câmeras de segurança, batalha de facebook, bichas lacradoras, Donald Trump, Donald Duck, as expressões Congo Belga e “abacaxi flambé na cachaça”. Pois, agora, a forma de lidar com a verdade a partir da prosa e do cálculo devora mortalmente o próprio rabo. Ou seria um simulacro? 

O que é que Itabira tem? // Na relação com o estrangeiro, percebe-se que o nosso chutar de latas é um caminho especial para descobertas quânticas. Afinal, o pó de nosso barro é um nascer em que bailam mésons. Há, em nós, um quarar a roupa, balançar na cadeira vendo o povo passar na calçada, ver passarinho, falar com planta, dar comida para a cachoeira, transar como se não houvesse amanhã, terça-feira gorda, garrafada, benzedeira, pular onda, mau-olhado (Deus nos livre), bater com o nó dos dedos três vezes na madeira. Nada disso salva o mundo, mas, na Globalização, o mínimo de saúde é conseguir discernir o que é produto para exportação e que deve ser vendido daquilo que faz parte de nossa diversidade, de nossa carne diversa, e que deve ser amado, vivido e vivo.

Brasileiro, uma contradição // Uma identidade é como um círculo. Tem um centro e um limite. Mas, como toda medida e desenho tem erros, o círculo não existe.

Meu Brasil Brasileiro // Porém, não confundamos, o entendimento de que diversidade é vida com uma defesa da tradição, que torna o passado mais remoto e o futuro falsamente definível. 

Moema, Godot e Cravan  // Em “Balneário” há ainda, além das série Origem e do grupo de quatro instalações, o vídeo “Atlântico”, cujo som de mar ecoa por boa parte da exposição. O plano escolhido nos permite ver parte da areia, as ondas se desenrolando até a beira da praia e o horizonte com ilhas. O tipo de edição faz parecer que a própria câmera balança: em nós, a agitação do mar que nos fundou, o ninar materno e salgado que cuida de nossas cabeças. Vemos também um chuveiro, muito característico das praias da Zona Sul carioca, cujo jorrar d’água muda de direção com a força do vento. As coisas mudam o tempo todo e tudo passa, está passando, passou. Em frente ao vídeo, encaramos o horizonte como se esperássemos alguém chegar. Há um Ayudame a mirar! ecoando em cada ponto onde as veias abertas da América Latina tocam o mar. De que servirá esse chuveiro tão nosso, quando estiverem aqui conosco?

Você está seguro ou A Fuga // Há alguns anos, Mano vem se dedicando a pesquisar a formação da cultura brasileira e as maneiras pelas quais ela se manifesta em diferentes contextos. O comércio popular, a rua e a casa vem sendo seus grandes interesses de estudo. O principal procedimento em seu trabalho é a união gambiarresca, precisa e incomum de fragmentos e objetos muitas vezes reutilizados. Os resultados, usualmente de grande impacto visual, nos fazem ter a sensação de estar diante de algo que nos era doméstico e que, de alguma forma misteriosa, tomou vida. E agora, quando olhamos para eles nos ostentando suas próprias mutações, somos agraciados com sintomas da plasticidade da cultura.

Bernardo Mosqueira, outubro 2016.

Mano Penalva, Manopenalva, Contemporary Arte, Arte Contemporânea, Central Galeria, Central Gallery, Balneário, 2016, São Paulo, Bernardo Mosqueira, Ding Musa

Balneário, 2016, Mesa, lona, escovas e apliques, 120 x 140 x 90 cm

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Janeiro, 2016, Tempos, Madeira, motor, areia e aço, 360 x 170 x 170 cm

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